Teve, mais uma vez, lugar o concurso literário de escolas (1º, 2º e
3º ciclos), do nosso Agrupamento.
Este ano o tema
prendeu-se com o desaparecimento do barco Meia-lua, da rotunda da Costa da
Caparica.
O Mistério do Barco Desaparecido
“Numa manhã chuvosa de Outono, a Costa da Caparica
acordou sem o seu barco típico (o meia-lua) na rotunda central da jovem cidade.
Depressa os distribuidores da praça se interrogaram; os donos das mercearias
deitaram as mãos à cabeça, incrédulos; os mais velhos deixaram os bancos de
jardim e procuraram à sua volta. Os condutores, que faziam normalmente aquele
percurso, atrapalharam ainda mais o trânsito, pois deitavam a cabeça fora da
janela à procura do barco.” Formando uma fila que, àquela hora, não era nada
aconselhável. Eu, que também ia a passar como habitualmente para a escola,
achei estranho o trânsito que estava. Não podia ser da chuva. O que seria?
Como a fila não andava, decidi sair do carro e
fazer o caminho a pé. Depois de me despedir da minha mãe e de ouvir todas
aquelas recomendações típicas das mães, lá me fui embora para não chegar tarde
à minha aula preferida, a de Português. Convém dizer que frequento a escola da
Costa da Caparica e com muito orgulho, pois os professores apoiam muito os
alunos.
Bem… fui andando e, quando estava a chegar perto
do centro, comecei a ouvir um grande alarido e a sentir uma forte agitação. Quis
saber do que se tratava, pensando que era algum acidente. Foi quando avistei um
senhor, meu amigo, que é dono do café, mesmo em frente do sítio onde deveria
estar o “ meia-lua”.
É um senhor de meia-idade, de estatura baixa e com
uma farta cabeleira. Fui ter com ele, dei-lhe os bons dias, mas ele estava tão
transtornado que mal me ouviu. Tive mesmo de lhe tocar no braço dando-lhe um
grito:
- Ó Senhor Luís!
Virando-se, para ver quem o chamava, olhou para mim
e disse:
- Então não é que levaram o barco?!
- Não posso acreditar! Quem quereria um barco tão
velho, já a precisar de conserto?
Cada pessoa dava a sua opinião, uns diziam que
tinha sido malandragem. Os mais velhos falavam que tinha sido a Câmara de
Almada. Eu cá para mim, nenhuma daquelas opiniões fazia qualquer sentido, uma
vez que o barco tinha desaparecido durante a noite. E digo isto, pois o Senhor
Luís afirmava que, quando fechou o café à meia- noite, ainda o barco estava no
seu sítio; logo, não tinha muita lógica! Como se estava a fazer tarde, e ainda
tinha pelo menos uns dez minutos de caminho até à escola, tive que me apressar.
Senti um certo entusiasmo de tanto mistério e
também queria contar aos meus colegas, em especial aos meus três melhores
amigos. Aqueles que, como eu, têm espírito de aventura. Passo a descrevê-los:
O Zé tem catorze anos, é loiro, tem olhos verdes e
as miúdas da turma, derretem-se todas com ele.
O Sandro, a quem pusemos a alcunha de Almirante
Sandro, pois ele é repetente, tem um ano a mais que nós os três e, quando
estamos na brincadeira, ele está sempre a dizer “ Parem com isso!”, com um ar
tão sério que nós até lhe achamos graça e não lhe ligamos nenhuma.
E o Alberto, que é o intelectual e o
perfeccionista da turma.
Como cheguei em cima do toque, não lhes pude
contar, tive de esperar pelo intervalo. Mal lhes contei, concordámos em
desvendar o mistério do desaparecimento do barco.
Depois das aulas, juntámo-nos e fomos ao centro da
cidade. Tinha parado de chover, o que era ótimo. Íamos aprofundar o caso e dar
início à nossa investigação. Traçámos um plano e distribuímos tarefas: o Zé ia
recolher o testemunho das pessoas que estavam nos bancos da praça, dizendo que
era um trabalho para a escola. O Almirante Sandro foi falar com o Senhor
Presidente da Junta da Freguesia. E eu e o Alberto íamos sondar o Senhor Luís
porque, como diz a minha avó, “nos cafés fala-se e sabe-se de tudo!”.
Fomos falar com o senhor Luís e perguntámos-lhe se
sabia mais alguma coisa a respeito do barco. O Senhor Luís disse que tinha sido
chamada a polícia, e que mais nada sabia. Olhámos um para o outro, muito
desmotivados. Entretanto, chegou um cliente e o Senhor Luís teve de ir atendê-lo.
O cliente, olhando para nós, perguntou-nos o que estávamos a fazer. Mentimos,
dizendo que era um trabalho sobre o desaparecimento do “meia-lua”, para a
escola. Então, para nosso grande espanto, ele começou a contar-nos que era
taxista e que, na noite em que desaparecera o barco, estava de serviço e que
tinha visto uns homens com aspeto de pescadores, com um trator, a rebocar o
barco.
Todos os que estavam no café olharam para o
taxista, incrédulos. Viemos embora, pois o taxista tinha-nos contado tudo o que
sabia.
Fomos ter com os outros.
O Zé não tinha conseguido saber nada que nos desse
uma pista.
O Almirante Sandro disse-nos que o Presidente da
Junta nem o recebera, dizendo que para falar com ele teria de marcar hora com a
sua secretária.
Só eu e o Alberto tínhamos notícias. Tínhamos escrito
o que o taxista dissera e decidimos procurar pelas praias da Costa. Mas antes,
o Alberto quis ir à polícia perguntar se sabiam do paradeiro do barco. Um
Polícia, que estava à entrada do posto, disse-nos que não tinham qualquer pista
e que devíamos ir para casa que já estava a escurecer.
Despedimo-nos e combinámos que, como era
sexta-feira, iríamos fazer uma caminhada pelas praias no dia seguinte, logo
pela manhã, pois era sábado e não havia aulas.
E assim foi! No dia seguinte, estava uma manhã
fria, mas lá estávamos todos à hora marcada. Começámos pelo Pontão, caminhando para
sul, ao longo da praia, na direção dos pescadores que costumam consertar as
suas redes ao pé dos barcos. Tudo nos chamava a atenção, olhávamos para todos
os barcos que estavam na praia. Os barracões dos pescadores estavam com as
portas abertas. Todos… menos um…! Ficámos cheios de curiosidade e, mais ainda,
quando vimos um rapaz a entrar com umas latas de tinta para o tal barracão mas,
antes de abrir a porta, olhou para todos os lados, como se não quisesse ser
visto. Entreolhámo-nos e resolvemos meter conversa com um velho pescador, para
ver se víamos mais algum movimento. O pescador, conhecido como o Fanecas,
começou a contar-nos todas as suas histórias, vividas no mar. Entretanto,
enquanto o velho pescador falava, começaram a chegar mais homens, todos eles
pescadores e, um a um, iam entrando no barracão o mais discretamente possível.
Mas nós, apesar de atentos às histórias do Senhor Fanecas, não deixávamos de
prestar atenção àquela movimentação, até que, enchendo-se de coragem, o Alberto
perguntou pelo barco “meia-lua”.
O velhote, dizendo que tinha boa memória e
mostrando um sorriso de grande satisfação, contou-nos toda a história do barco.
Não era bem isso que nós queríamos… o que queríamos era saber se o velho
pescador sabia onde estava o barco… mas ele não parecia ter qualquer ideia
sobre o assunto.
A hora do almoço estava a aproximar-se. Os homens
do barracão saíram deixando a porta encostada.
O Senhor Fanecas, olhando para o relógio de bolso
disse que ia almoçar, até nos convidou dizendo que “em casa de pobre há sempre
lugar para mais um”. Neste caso éramos mais quatro… por isso, agradecemos
dizendo que os nossos pais estavam à nossa espera. Mas o que nós queríamos era
o caminho livre para podermos entrar no barracão.
Fizemos de conta que vínhamos embora, até deixarmos
de ver o velho pescador que, por andar com uma certa dificuldade, estava a deixar-nos
ansiosos. Quando o perdemos de vista, começámos a correr e, sem mais demora,
entrámos no barracão.
Estava um pouco escuro, pois apenas havia uma
pequena janela. E havia um cheiro intenso a tinta fresca. O Zé, distraído, ao
dar um passo, bateu com a cabeça em algo. Então, o Alberto abriu um pouco mais
a porta e lá estava o barco “meia-lua”, para nosso espanto.
Afinal, aqueles pescadores estavam a arranjá-lo!
Estávamos tão surpreendidos que não vimos dois
pescadores a entrar no barracão… e fomos descobertos…
Perguntaram o que estávamos ali a fazer e que devíamos
saber que não se pode entrar em uma propriedade privada.
Não é que o Almirante Sandro se pôs em frente dos
homens e, sem mostrar medo, lhes perguntou o que estava ali a fazer o barco
desaparecido da Costa da Caparica? Disse também que ia chamar a polícia.
Os pescadores, que eram pessoas de bem, disseram
para termos calma… que eles só queriam arranjar o barco e voltar a colocá-lo no
mesmo sítio, por ser uma honra para todos pescadores e caparicanos e
pediram-nos para guardar segredo.
Nós concordámos em ficar calados, com a condição
de nos deixarem ajudar.
Então, para espanto de toda a gente da Costa, na
manhã de segunda-feira, o barco “meia-lua” apareceu no seu lugar de sempre, tão
misteriosamente como tinha desaparecido, só que muito mais bonito!
Ricardo Rocha
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