Vivi na casa da
encosta durante 57 anos.
Tinha uma vista
belíssima sobre o mar.
Gostava de abrir as
janelas de manhã e sentir o fresco a entrar no quarto.
Tinha uma cadeira
de verga ao lado da janela.
De tarde
sentava-me nela e lia aqueles livros que
ninguém conhece.
Sentia-me um
intelectual do nada, que era exatamente aquilo que melhor me definia.
À noite, se
estivesse muito quieto conseguia ouvir as ondas a bater nas pedras do pontão.
A minha Margarida
também gostava mito da casa.
Muito gostava ela
de regar os amores-perfeitos dos vasinhos azuis e os malmequeres altos que
havia ao lado da porta da frente.
E eu ralhava com
ela, porque ela regava as flores e a erva, que depois tinha de ser eu a
arrancar.
Tenho saudades dela.
A minha grande companhia durante tantos anos.
Era uma mulher como
não mais há hoje em dia. Sempre amiga e carinhosa.
Mas, ainda assim,
triste.
O dia da notícia de
que nunca poderíamos ter filhos mudou a
minha Margarida para sempre.
Por isso dependíamos
um do outro e só nos tínhamos aos dois.
Os últimos anos da
minha Margarida foram muito dolorosos para mim.
Aquela maldita
doença, que me levou a Margarida mais bonita das flores da minha casa da
encosta. Levou com ela também aminha alegria de olhar a vida.
Mesmo assim, ainda
lá vivi mais 2 anos sem ela.
Os piores que tenho
memória.
Os vasos nunca mais
ninguém os regou e as ervas nunca mais as arranquei.
Secou tudo menos as
minhas lágrimas.
Não sei se era
tristeza ou se era d tanto olhar o mar ali de cima da encosta, mas também eu
ganhei sal nos olhos.
Sei que fiquei
ainda mais velho. Vejo pelas rugas das mãos porque não tenho coragem de me ver
aos espelhos.
Foi difícil
abandonar a casa.
Quando olhei para
dentro a última vez vi os raios de sol a entrar pela janela de frente e
pareceu-me ver a Margarida sorrir para mim, com um ramo de malmequeres na mão e
dois amores-perfeitos nos olhos.
Senti que naquele
momento o filme da minha vida tinha acabado o final não tinha sido exatamente
aquilo que eu pensava que seria.
Acordei ontem no
sítio onde me recordo hoje.
Dizem que é para o
meu bem.
Vivo cá eu e mais
100. Todos atores reformados de filmes diferentes que acabaram todos um final
semelhante.
Estamos aqui todos
abandonados. Acompanhamos a solidão de cada um de nós, que nada mais tem de seu
a não ser ela mesma.
Pergunto-me quando
verei novamente a minha Margarida.
Um dia eu sei. Sei
que vou voltar a abrir os olhos em frente à porta da nossa casa. E quando olhar
novamente para os raios de sol que saem pela janela da frente vou vê-la.
Ela vai estar a
pegar nos malmequeres e vou entrar. Os nossos passos vão plantar
amores-perfeitos no chão de admira
da minha amada casa da encosta.
Vou sentar-me na
minha cadeira de verga e, ao lado da minha Margarida, vou esperar a noite para
voltar a navegar nas ondas que batem no pontão.
Carlos Victor – 12ºB
Parabéns ao Carlos!